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Na MORAL, a Gente Tem o Quê?

  • Foto do escritor: Estúdio Webs
    Estúdio Webs
  • 5 de jan. de 2023
  • 7 min de leitura

NA MORAL, A GENTE TEM O QUÊ?

Curta-metragem escrito por EVERTON BRITO

“Curta-metragem baseado na teoria de Luta De Classes, de Karl Marx”.

TEASER


FADE IN

01 EXT. STOCKS SHOTS, SÃO PAULO-DIA.

TAKES.

PONTOS TURÍSTICOS da grande metrópole são exibidos na tela. Em contrapartida, o movimento das pessoas; o caminhar acelerado; ônibus, carros, motos; os prédios e arranha-céus, as pequenas e grandes lojas; a diversidade.

[CORTE IMEDIATO PARA]

02 INT. EMPRESA TÊXTIL MUNIZ JUNQUEIRA, ELEVADOR- DIA.

CAM.

O elevador se abre. Um senhor, puxando um carrinho de limpeza, adentra e cumprimenta a moça que já estava no local.

FECHA-SE.

SENHOR – Bom dia!

MELINA – Bom Dia!

MELINA, jovem, pele negra, 22 anos. Traja um modelito socialmente apresentável. Sorri para o Senhor.

SENHOR – Funcionária nova, filha?

MELINA – Recém-contratada. Vou trabalhar como secretária do senhor Ramiro Junqueira Muniz. Estou no segundo período da faculdade de Direito. Não é nada relacionado à minha área, mas foi a forma que encontrei para ajudar em casa e na faculdade.E o senhor? Trabalha aqui há muito tempo?

SENHOR – Mais de quarenta anos! Põe mais…

MELINA – O senhor não pensa em se aposentar?

SENHOR – Todo dia, mas alegam que não tenho tempo de trabalho suficiente.

MELINA – Conte um pouco sobre o senhorRamiro.

SENHOR – (Ri) Uma figura! Teve um dia que ele mandou um dos “trabalhador” cortar o cabelo. Dizia que para ele continuar, tinha que cortar. Ele acha que não é bom para empresa rapaz de cabelo longo andar desfilando pelas instalações, que não era… (coça a cabeça) Qual o termo que ele usou, meu pai? Sim, “adequado”. Que não era adequado.

MELINA – (Estranha) E ele cortou?

SENHOR – Quem é besta de não cortar? E “num” cortou? Noutro dia apareceu sem o cabelão. Seu Ramiro é uma figura, mas coitado de quem pegar ele de olho virado. O último trabalhou até de noitinha, e o outro lhe dando tudo quanto é nome. “Nós sabe”, porque ele fala alto demais.

CAM

Em Melina. Semblante de indignação. Áudio off. Conforme o Senhor conta o convívio com o patrão, Melina se mostra mais confusa e assustada.

CONT:.

O elevador abre-se.

SENHOR – É como eu disse, seu Ramiro é uma figura.

O Senhor sai puxando seu carrinho.

DOLLY OUT.

CAM se distancia de Melina, encostada nas paredes do elevador, ainda perplexa e confusa.

O elevador volta a fechar-se.

FADE OUT.

FIM DO TEASER

TEMA DO FILME: Sangue Latino- Secos & Molhados.

FADE IN:

03 INT. EMPRESA TÊXTIL MUNIZ JUNQUEIRA, RECEPÇÃO- DIA.

CAM.

PLANO GERAL. Revela Melina, concentrada no computador. Reveza entre olhar para a pilha de papéis em cima da mesa e a tela do computador. Foco em seu rosto. Tensão é quebrada quando uma mão bate em sua banca. Melina se assusta.

POV de Melina.

FUNCIONÁRIA – O chefe pediu pra você entrar com os papéis. Ele quer revisar tudo.

MELINA – Obrigada.

POV OFF.

Melina levanta-se e caminha até La.

04 INT. EMPRESA TÊXTIL MUNIZ JUNQUEIRA, SALA DE RAMIRO – DIA

Bate na porta.

RAMIRO – Entre.

Melina adentra e põe os papéis em cima da mesa, parando numa postura formal.

MELINA – Mais alguma coisa.

RAMIRO – Sim. Preciso que fique algumas horas a mais aqui.

RAMIRO, alto, pele branca, 40 anos. Traja uma roupa social.

MELINA – Eu não vou poder.

RAMIRO – (Levanta os olhos) Como?

MELINA – Desculpe, mas é que eu tenho chegado atrasada na faculdade todo dia. Eu estou por mais de um mês ultrapassando meu horário de trabalho. Isso tem me prejudicado muito.

RAMIRO – Prejudicada você estaria senão tivesse esse emprego para pagar a faculdade que você cursa. Mas, tudo bem, pode ir. Se for pra ficar acompanhado de gente incompetente e preguiçosa, é melhor estar sozinho.

Melina, que carrega um semblante cansado, sem pestanejar, dá as costas e segue em direção à porta.

RAMIRO – Ah, é… como é seu nome mesmo?

Em Melina, parando e virando-se para Ramiro.

MELINA – Me chamo Melina.

RAMIRO – Melina. Faz um tempo que estava para conversar com você sobre algo que vem me causando incômodo desde quando entrou nesta empresa.

MELINA – Algo relacionado ao meu trabalho?

RAMIRO – Não. É o seu cabelo.

Melina pega em seu cabelo, analisando-o.

MELINA – Não vejo nada de errado nele.

RAMIRO – (Ri) É que ele é… Esvoaçante. Escandaloso. Feio seria a palavra certa. Eu sei que está na moda essa coisa de cabelo afro para enaltecer a originalidade do preto. A sua cor já diz isso, não precisa mostrar, também, no cabelo. Alise.

MELINA – (Respira) Não sinto vontade de alisá-lo. Gosto dele do jeito que é.

RAMIRO – Não é questão de gostar…

MELINA – Melina.

RAMIRO – Isso. É desnecessário. Chega até a ser nojento, vamos combinar que dentro dessa juba toda pode ter algum…piolho. Alisa, menina. Faz o que eu estou te dizendo. Olha que manda quem pode, obedece quem tem juízo.

MELINA – (Chora) Eu não preciso me submeter a isso por um salário injusto, que nem sequer vem incluso as horas extras que o senhor me obriga a fazer, e que eu tenho direito!

RAMIRO – Esse papo chato de feminista tá se espalhando rápido, né? Não seja estúpida, menina. Me poupa desse seu discurso orgulhoso de ativista negra reprimida. Você trabalha pra mim, logo precisa seguir as minhas regras. Se não estiver satisfeita, se retire! Até uma anta igual, ou pior que você, poderia fazer o que você faz!

Ramiro joga os papéis no rosto de Melina.

RAMIRO – Cuidar de uma pilha de papel não é papel de mais não, garota!

MELINA – Eu não fico aqui mais nenhum minuto! Assédio moral é crime! O que o senhor faz com os seus funcionários é desumano, seu Ramiro. Nós somos gente e devemos ser tratados como tal. Aprende a ser gente também. Eu não volto aqui nunca mais.

RAMIRO – Ah, volta sim. E sabe porque você volta? Eu vou te dizer porquê.Porque você é pobre, e como boa pobre você precisa pagar as contas no fim do mês, deixar dinheiro para o gás, pra feira, pagar a condução lotada e se sobrar, dar-se ao luxo de chupar um picolé. É pobre! Porque compra tudo que não pode e parcela no cartão a tal ponto de não conseguir pagar e ficar com o nome sujo. Pobre! E é por ser pobre, e precisar desse dinheiro, que você vai voltar.

Silêncio. Em Melina, a limpar as lágrimas do rosto.

MELINA – O seu dinheiro não pode comprar a minha dignidade.

TRAVELLING.

Melina sai andando. CAM acompanha todo o seu trajeto ao sair da sala de Ramiro e adentrar no elevador, onde desaba e chora.

CORTE IMEDIATO PARA.

05 INT. CASA DE MELINA, SALA- NOITE.

LONG SHOT.

Melina, sentada no sofá da sala, com um copo de água em mãos, relata tudo o que aconteceu a sua mãe, ZÉLIA, mulher de meia idade, pele negra, 35 anos. Traja um vestido simples florido, assim como toda a casa; modesta, sem muitos enfeites e paredes quase sem cor.

MELINA – Nunca me senti tão… pequena em toda a minha vida. A senhora tinha que ver o jeito que ele falou, aquele ar de superioridade, como se tudo dependesse dele. Como se eu tivesse lhe devendo algo.

ZÉLIA – Essa gente rica só sabe olhar para o próprio umbigo, minha filha…Mas o que você vai fazer agora?

MELINA – Agora? Eu vou juntar meus caquinhos e correr atrás dos meus direitos. Esse homem vai ter que se entender na justiça.

ZÉLIA – Você tá doida, Melina? Isso é uma briga que você não pode comprar.

MELINA – Eu fui humilhada, e explorada/

ZÉLIA – (Interrompe/Grita) A corda sempre arrebenta “pro” lado mais fraco.

MELINA – Eu não vou me calar! É por isso que as pessoas são exploradas, porque se calam no momento que elas devem gritar, e se tornam escravas dessa sociedade segregadora e supremacista por isso.

ZÉLIA – Eles têm dinheiro! E gente, Melina? A gente tem o quê… (grita) A gente tem o quê?!

Silêncio. Zélia sai da sala a passos largos. Melina põe as mãos sobre a testa, exausta.

06 INT. CASA DE MELINA, COZINHA-DIA.

Um jornal é jogado sobre a mesa, onde Melina toma o café. Ela olha para a mãe e passa a ler o título da manchete.

MELINA – Mulher de empresário Ramiro Muniz Junqueira luta pelos direitos dos trabalhadores e diz: “Chega de assédio moral”. O quê?

Melina se indigna. O som da televisão ligada toma a cena. Melina corre para a sala e passa a assistir o noticiário.

JORNALISTA – (Áudio/Tv) O empresário Ramiro Junqueira Muniz, da indústria têxtil Muniz Junqueira, afirma que os trabalhadores merecem ter seus direitos garantidos.

Melina desliga a Tv, inconformada.

MELINA – Impressionante o tamanho da hipocrisia que esse homem carrega no ser. Direitos dos Trabalhadores. Todo mundo ali faz hora extra e cadê vir incluído no salário? São xingados e humilhados, tratados como cães e ele vai pra TV falar de direitos trabalhistas? É muita cara de pau. A senhora sabia que todos os funcionários que trabalham na empresa e na indústria, com exceção de secretários e administradores, não concluíram, ou nem chegaram a fazer o ensino médio? Ele contrata pessoas que não fazem a mínima ideia que estão sendo exploradas ao máximo, mas que mesmo assim acham tudo muito legal, que estão ganhando pelo que trabalham… Para eles está tudo certo. O “Seu Ramiro é uma figura”.

ZÉLIA – E você ainda quer comprar briga com essa gente?

Zélia faz sinal de negação com a cabeça e se retira da sala. FOCO no rosto de Melina, que carrega consigo um semblante de preocupação e medo.

Som de um martelo batendo em algo quebra a cena, Melina assusta-se.

07 INT. TRIBUNAL-DIA

CONT do MATCH CUT da cena anterior.

MELINA se assusta com o bater do martelo. PLANO GERAL. Podemos notar um tribunal espaçoso. Diversas pessoas acompanham a audição. Maioria, os próprios funcionários da empresa.

JUÍZ – Que as testemunhas sejam chamadas.

COMPILAÇÃO de vários depoimentos são mostrados na tela.

  1. “Eu nunca tive problemas na empresa…”

  2. “O seu Ramiro é um pouco nervoso, mas deve ser o jeito dele”

  3. “Tratado mal eu nunca fui. Essa moça que deve ser cheia “das frescura”.

  4. “As vezes ele xinga, mas é de brincadeira”.

  5. “O seu Ramiro é uma figura”.

CONT.:

CENA. CAM.

O Juíz posiciona-se na cadeira e bate duas vezes o martelo.

JUÍZ – Com base nos depoimentos ouvidos aqui, este tribunal constata que Ramiro Muniz Junqueira é considerado inocente das acusações feitas pela senhora Melina Silva.

MELINA – Não! Isso está errado!

O advogado a contém. As vozes das pessoas do tribunal abafam sua fala. Foco em Junqueira, comemorando. Bater do martelo encerra o PLOT.

[CORTE DESCONTÍNUO]

MUSIC FADE: Deus Lhe Pague- Elis Regina.

Melina se encontra ainda sentada no banco do tribunal, de cabeça baixa, junto ao seu advogado.

ADVOGADO – Descobri que o Juíz que julgou seu caso é um companheiro de golfe do Ramiro nos dias de domingo num clube. A causa é ganha para ele, mas a gente pode recorrer na decisão. Eu, como advogado, aconselho a não insistir nisso. Os funcionários da empresa talvez nunca testemunhem contra. Sem testemunhas e outras denúncias, infelizmente a causa é perdida.

Silêncio. Melina levanta a cabeça.

MELINA – Pois eu vou recorrer. Não descanso enquanto a justiça não for feita.

O advogado apenas assente e logo ouvimos seus passos ecoando pelo local. Direciona-se à porta de saída.

A MÚSICA CONTINUA. Agora Melina encontra-se sozinha no tribunal.

DOLLY IN. FOCO EM SEU ROSTO.

FADE TO BLACK.

FADE OUT.

FIM

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