Corações de Açúcar e a abordagem da saúde mental em personagens LGBTQIA+
- Estúdio Webs
- 14 de ago.
- 5 min de leitura
O Brasil lidera a América Latina em prevalência de transtornos de ansiedade
e depressão, com quase 19 milhões de pessoas afetadas, conforme dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS).

A comunidade LGBTQIA+ está mais suscetível a transtornos de ansiedade e
depressão, somando isso ao cenário alarmante no que tange a saúde mental no
Brasil, resulta em um desafio ainda maior para as pessoas pertencentes a
comunidade.
Embora “Corações de Açúcar” seja uma novela que conta uma história em
um universo fictício, que não necessariamente tem um compromisso com a
realidade, a trama vem se destacando pela abordagem sensível da saúde mental
em seus personagens principais.
Se a temática já é de difícil interpelação nas obras do Mundo Virtual,
Corações de Açúcar é ousada quando joga luz a um problema que afeta não
somente a personagens gays, mas personagens homens. Assim, a história trata
com normalização um tabu social.
E por que é importante falar sobre a saúde mental dos homens?
O imaginário social ainda associa o homem à virilidade, resiliência e força.
Essa construção resulta num amontoado de questões emocionais jogadas para trás de uma porta por uma vida inteira. Afinal de contas, “homem não chora”, e “essas coisas da cabeça” é frescura. É coisa de “mulherzinha”.
Um estudo acadêmico recente, firmado nos dados do Sistema de Informação
sobre Mortalidade (SIM/DATASUS), aponta que Homens representam 78,6% dos
óbitos, com taxa média de 10,33/100 mil. Ainda conclui que os Homens têm maior
letalidade nas tentativas, porque utilizam métodos mais agressivos.
O suicídio é multifatorial: transtornos mentais, problemas familiares, sociais e
econômicos. A demonstração desses dados e informações adicionais são
importantes para dar base ao tópico desta pequena exposição.
Três personagens, três dilemas
Na novela, três personagens LGBTQIA+ — Bás, Alesso e Cássian — revelam, cada um, um recorte distinto desse debate. O público que acompanha a novela pôde notar que os personagens pertencentes a comunidade, Cássian, Bás e Alesso são afetados por transtornos emocionais muito individuais e humanos. Seus arcos narrativos são pautados, especialmente, no que resulta de fatores externos.
O público que acompanha a novela pôde notar que os personagens pertencentes a comunidade, Cássian, Bás e Alesso são afetados por transtornos
emocionais muito individuais e humanos. Seus arcos narrativos são pautados,
especialmente, no que resulta de fatores externos.
Bás vive num ciclo tóxico em sua relação com Alesso. Desde o início da
trama esse personagem luta contra as manipulações emocionais e as negligências que seu noivo o impõe. É difícil para Bás sair desse relacionamento porque ele nunca foi encorajado a se livrar.
Nós temos sua mãe, Leocádia, que incentivava esse relacionamento, ainda
que quase inconsciente do que se passava com o filho. A bússola moral seria sua
irmã Sara, a personagem mais afetada com as suas inconsistências emocionais.
Todos os problemas emocionais que o Bás tem não surgiram apenas da
relação com Alesso, mas de fatores sociais e de autocobrança. Veja, ele não fala
nada disso com sua mãe ou irmã.
As vezes em que Bás tem liberdade para demonstrar suas fraquezas que
sobre-excedem sua vida amorosa, e têm mais a ver com o seu relacionamento
pessoal consigo mesmo, foram as vezes em que esteve com Cássian, em um
momento de desconstrução e entrega.
Nesse emaranhado, temos Alesso, o noivo de Bás, que enfrenta a
homofobia e o preconceito do próprio pai. Bonjo é um personagem que representa o estigma do homem com H maiúsculo.
Ele fala grosso, ele anda duro, ele acha que sentimentalidades é coisa de
mulher, ele torra sua grana em jogos e vícios, ele bebe. Ele é negligente com suas
obrigações paternas. E ele odeia gays. Mas precisa de um para que não vá parar no olho da rua.
Alesso perdeu a mãe muito cedo e ficou à mercê desse pai enrijecido,
completamente carente de amor. A manipulação foi a forma que ele encontrou de segurar as pessoas, de mantê-las à sua margem.
Simplesmente é incapaz de manter uma relação saudável, porque ele nunca
teve um exemplo de uma relação saudável em casa. Então ele perpetua as atitudes do pai, do seu modo.
Ainda que se acha mais esperto e diferente que o seu progenitor, Alesso é o
mesmo e vive como ele: é negligente emocionalmente, joga com as pessoas e
possui seus próprios vícios. Por isso, a presença de Cássian o desafia e o
confunde.
Enquanto Bás é reativo, e ainda que ele volte para o seu domínio, antes
disso, grita, o ignora, e o trata com descontrole. Cássian apenas o escuta e o
entende.
Ele não tem um rival nessa guerra. Alesso luta sozinho, com ele mesmo.
Como ele aprende a ser outra pessoa? Como ele se desvincula da influência
negativa do pai e do seu preconceito? Alesso é uma consequência da relação
negativa com o seu pai, que é consequência de uma cultura masculina ultrapassada e cruel.
Nesse ínterim, Cássian representa uma parcela da comunidade gay que
sofre um apagamento e uma retaliação tremenda, que é o “Gay Afeminado”. Há de se reconhecer um fenômeno de “heteronormatização” em absolutamente
atualmente. Somos gays, mas não parecemos gays, não queremos agir como gays.
De fato, não há um jeito de se agir mais gay, mas há um jeito de não
aparentar, percebem? Cássian é um personagem que tem problemas de
autoimagem e despersonalização, que é o comum quando não há um encaixe social perfeito.
Quando ele diz: “Eu sou muito eu e isso me estraga”, tem camadas e
camadas. Não é dito na história, mas trazendo para uma realidade mais próxima,
ele provavelmente sofreu bullying na escola, na rua, ou até mesmo agressões
dentro e fora de casa. Mas isso não é dito na história.
Mas uma coisa é dita, que ele quer assumir o controle da sua própria função
como ser humano, da sua própria personalidade. Ele não quer que as pessoas
digam quem ele deve ser: um gay simpático, um gay inteligente, um gay frágil, um
gay romântico, um gay escandaloso.
Ele é o que ele demonstra e quando não é enxergado, quando o que ele é
sofre um apagamento em prol de uma projeção qualquer, o que sobra afinal de
contas?
São personagens complexos que não se destroem, eles se completam,
porque todos são vítimas de um sistema arquitetado e de uma cultura misógina, que contribui o tempo todo para esse padrão corrosivo.
Uma história de romance — e muito mais
Corações de Açúcar transcende o romance, explorando as complexidades
das masculinidades e sexualidades diversas. A narrativa aborda os obstáculos,
tanto internos quanto externos, impostos por uma cultura ainda enraizada no
machismo e na heteronormatividade.
Além das cenas de amor, a obra oferece uma profunda crítica social e
reflexões sobre identidade, afeto e saúde mental. Essa profundidade ressoa com o
público, pois, em sua essência, falar de amor é também falar de sobrevivência.
FONTES:
BARROS, Luiz Fernando Ferreira de; BATISTA, Jefferson Felipe Calazans.
Padrão temporal dos suicídios no Brasil segundo sexo e grupo de idade nos últimos
10 anos. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, Aracaju, v. 8, n. 18, p. e181852,
jan./jun. 2025. Disponível em: https://revistajrg.com/index.php/jrg. DOI:
10.55892/jrg.v8i18.1852. Acesso em: 13 ago. 2025.
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